Foi Assim... O misterioso caso do roubo de combustível
Uma acusação falsa de roubo de combustível. Ameaça de prisão. Medo de ser espancado. Assinatura forçada de um pedido de demissão. Esse poderia até ser o roteiro de cinema para um filme policial, mas aconteceu na vida de quatro trabalhadores da firma de engenharia Contel, no final da década de 60, em Mato Grosso.
Para desvendar o mistério que pairou sobre o caso, os juízes da Junta de Conciliação e Julgamento de Cuiabá tiveram que se debruçar sobre provas, analisar o inquérito policial e ouvir testemunhas. O processo envolveu um lubrificador de máquina, um operador e dois motoristas que foram contratados para trabalhar na construção de uma ponte e encascalhamento da estrada ligando as cidades de Rondonópolis e Guiratinga, em fevereiro de 1965.
Em dezembro do mesmo ano as relações entre patrões e empregados desandaram, e a empresa decidiu mandá-los embora. Foi nesse ponto que uma confusão digna de um mistério policial teve início, envolvendo ameaças, depoimentos contraditórios, provas forjadas e muita dor de cabeça para os envolvidos.
Os trabalhadores, que foram demitidos sem qualquer indenização por parte da empresa, contaram na Junta de Conciliação e Julgamento que haviam se recusado a assinar o papel com seus pedidos de demissão. Então, como castigo pelo ato de “rebeldia”, foram levados à delegacia, na qual, segundo eles mesmos, foram ameaçados de prisão e de espancamento. Essa “conversa persuasiva” com apoio policial surtiu o efeito desejado, e os trabalhadores deixaram a assinatura naquele papel.
A Justiça do Trabalho foi o caminho que eles encontraram para defender seus direitos, ali devendo provar que foram dispensados sem justa causa. Era a única alternativa para poderem receber as verbas trabalhistas que lhes eram devidas.
Em defesa própria, a empresa garantiu que os empregados foram demitidos por justa causa após serem descobertos roubando combustível para vender a comerciantes da região. Para provar essa história no Judiciário, eles apresentaram a confissão de outro empregado, que admitia ter participado do esquema.
Por outro lado, um dos supostos compradores da gasolina, conhecido na região como seu João Pinto, foi chamado para esclarecer os fatos e, na audiência, negou que conhecia os acusados, afirmando categoricamente que nunca havia comprado gasolina deles.
O juiz-presidente e os juízes vogais analisaram e reanalisaram o caso, ouviram testemunhas, procuraram saber o que o delegado tinha a dizer, mas não encontraram nenhuma prova convincente contra os trabalhadores. Enquanto isso, o advogado de defesa deles argumentou que não raro a coação era utilizada em casos como esse: “É um mau costume no nosso meio fazerem-se cobranças ou exigir quitação de empregados na presença de autoridade policial.”. E continuou a defesa acusando a Delegacia de Rondonópolis de ser sabidamente corrupta.
O procurador do trabalho também se manifestou sobre o caso e, no seu parecer, ressaltou que as provas do processo não autorizavam que os trabalhadores fossem condenados: “Basta considerar que o inquérito policial requerido e forjado pelo reclamado e coagindo uma das partes não chegou a nenhuma solução que pudesse incriminá-los.”
O inquérito judicial da delegacia nada apurou e não apresentou nenhuma conclusão. As testemunhas deram poucas informações, estas que, ainda por cima, eram contraditórias e pouco esclarecedoras do motivo da demissão, segundo os magistrados. Sendo assim, com todos os elementos em mãos, os juízes juntaram as peças do quebra-cabeça e concluíram que o roubo não tinha sido orquestrado pelos quatro trabalhadores. Então, por unanimidade, decidiram que a demissão não havia sido por justa causa e sim imotivada, condenando a empresa a pagar as verbas trabalhistas.
Indignada com a decisão, a empresa entrou com recurso no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, com sede em São Paulo e ao qual Mato Grosso era subordinado, buscando ter confirmada a justa causa. Os juízes de São Paulo, no entanto, consideraram a decisão de Mato Grosso irretocável.
Faltaram provas para a manutenção da justa causa. Faltou um inquérito policial consistente para que os empregados fossem realmente condenados pelo desvio da gasolina. E nesse jogo de acusações faltou principalmente compromisso com a verdade.
O texto acima faz parte da obra "Foi Assim... Vidas, olhares e personagens por trás dos processos trabalhistas em Mato Grosso". O livro foi publicado em homenagem aos 25 anos do TRT/MT.
Para desvendar o mistério que pairou sobre o caso, os juízes da Junta de Conciliação e Julgamento de Cuiabá tiveram que se debruçar sobre provas, analisar o inquérito policial e ouvir testemunhas. O processo envolveu um lubrificador de máquina, um operador e dois motoristas que foram contratados para trabalhar na construção de uma ponte e encascalhamento da estrada ligando as cidades de Rondonópolis e Guiratinga, em fevereiro de 1965.
Em dezembro do mesmo ano as relações entre patrões e empregados desandaram, e a empresa decidiu mandá-los embora. Foi nesse ponto que uma confusão digna de um mistério policial teve início, envolvendo ameaças, depoimentos contraditórios, provas forjadas e muita dor de cabeça para os envolvidos.
Os trabalhadores, que foram demitidos sem qualquer indenização por parte da empresa, contaram na Junta de Conciliação e Julgamento que haviam se recusado a assinar o papel com seus pedidos de demissão. Então, como castigo pelo ato de “rebeldia”, foram levados à delegacia, na qual, segundo eles mesmos, foram ameaçados de prisão e de espancamento. Essa “conversa persuasiva” com apoio policial surtiu o efeito desejado, e os trabalhadores deixaram a assinatura naquele papel.
A Justiça do Trabalho foi o caminho que eles encontraram para defender seus direitos, ali devendo provar que foram dispensados sem justa causa. Era a única alternativa para poderem receber as verbas trabalhistas que lhes eram devidas.
Em defesa própria, a empresa garantiu que os empregados foram demitidos por justa causa após serem descobertos roubando combustível para vender a comerciantes da região. Para provar essa história no Judiciário, eles apresentaram a confissão de outro empregado, que admitia ter participado do esquema.
Por outro lado, um dos supostos compradores da gasolina, conhecido na região como seu João Pinto, foi chamado para esclarecer os fatos e, na audiência, negou que conhecia os acusados, afirmando categoricamente que nunca havia comprado gasolina deles.
O juiz-presidente e os juízes vogais analisaram e reanalisaram o caso, ouviram testemunhas, procuraram saber o que o delegado tinha a dizer, mas não encontraram nenhuma prova convincente contra os trabalhadores. Enquanto isso, o advogado de defesa deles argumentou que não raro a coação era utilizada em casos como esse: “É um mau costume no nosso meio fazerem-se cobranças ou exigir quitação de empregados na presença de autoridade policial.”. E continuou a defesa acusando a Delegacia de Rondonópolis de ser sabidamente corrupta.
O procurador do trabalho também se manifestou sobre o caso e, no seu parecer, ressaltou que as provas do processo não autorizavam que os trabalhadores fossem condenados: “Basta considerar que o inquérito policial requerido e forjado pelo reclamado e coagindo uma das partes não chegou a nenhuma solução que pudesse incriminá-los.”
O inquérito judicial da delegacia nada apurou e não apresentou nenhuma conclusão. As testemunhas deram poucas informações, estas que, ainda por cima, eram contraditórias e pouco esclarecedoras do motivo da demissão, segundo os magistrados. Sendo assim, com todos os elementos em mãos, os juízes juntaram as peças do quebra-cabeça e concluíram que o roubo não tinha sido orquestrado pelos quatro trabalhadores. Então, por unanimidade, decidiram que a demissão não havia sido por justa causa e sim imotivada, condenando a empresa a pagar as verbas trabalhistas.
Indignada com a decisão, a empresa entrou com recurso no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, com sede em São Paulo e ao qual Mato Grosso era subordinado, buscando ter confirmada a justa causa. Os juízes de São Paulo, no entanto, consideraram a decisão de Mato Grosso irretocável.
Faltaram provas para a manutenção da justa causa. Faltou um inquérito policial consistente para que os empregados fossem realmente condenados pelo desvio da gasolina. E nesse jogo de acusações faltou principalmente compromisso com a verdade.
O texto acima faz parte da obra "Foi Assim... Vidas, olhares e personagens por trás dos processos trabalhistas em Mato Grosso". O livro foi publicado em homenagem aos 25 anos do TRT/MT.